Analistas são-tomenses contra dependência dos tribunais das maiorias políticas

user 15-Jun-2023 Nacional

Analistas são-tomenses consideram que a constante mudança de juízes pelas sucessivas maiorias políticas representa um perigo para a democracia e desenvolvimento do arquipélago e rejeitam a iniciativa do parlamento para substituir quatro juízes do Tribunal Constitucional.

O parlamento são-tomense vai eleger na quinta-feira quatro novos nomes para o Tribunal Constitucional (TC), após a cessação automática de funções de quatro dos cinco juízes daquele órgão, na sequência da entrada em vigor, na semana passada, da lei interpretativa aprovada pelos partidos que apoiam o Governo, que impôs a jubilação e cortou algumas regalias de magistrados com mais de 62 anos.

Com a entrada em vigor da nova lei, cessaram funções o presidente do TC, Pascoal Daio, a vice-presidente, Maria Alice Carvalho, e os juízes Amaro Couto e Hilário Garrido, impossibilitando o funcionamento do órgão por falta de quórum.

 "Os juízes neste momento do Tribunal Constitucional, mas também os do Supremo vão estar todos nas mãos das maiorias circunstanciais e isso é o maior perigo que acontece para as democracias", considerou o jurista luso-são-tomense Carlos Semedo, que alerta para a necessidade de revisão constitucional para alterar o modo de nomeação dos juízes do TC.

A médica e analista Ana Maria Costa defendeu que a constante substituição de juízes por iniciativa e motivações políticas "lesa até o desenvolvimento do país" e põe em causa a justiça social "que é imperativa para que haja paz entre os cidadãos".

"Nós não conseguiremos nunca atrair investimento estrangeiro quando a justiça está pela rua da amargura como está", lamentou.

"Os juízes deveriam ser respeitados, e pela forma como eles têm ido aos tribunais, como têm sido corridos dos tribunais, como têm estado na mão dos políticos em São Tomé e Príncipe, eu acho que é de clamar a Deus, porque nós, os homens são-tomenses, eu acho que não estamos capacitados para nos governarmos a nós mesmos", referiu o presidente da Universidade Lusíada de São Tomé e Príncipe, Liberato Moniz.

A Ação Democrática Independente (do primeiro-ministro, Patrice Trovoada, e com maioria absoluta) e a coligação Movimento de Cidadãos Independentes-Partido Socialistas/Partido de Unidade Nacional (MCI-PS-PUN, cinco deputados) propuseram para novos juízes do TC a atual presidente do sindicato dos magistrados judiciais são-tomenses Kótia Menezes, o antigo procurador-geral e ex-ministro da Justiça, Roberto Raposo, e os juristas Leopoldo Marques e Lucas Lima, antigo assessor jurídico do primeiro-ministro, Patrice Trovoada.

"Nós atingimos o limite de tudo quanto é admissível para um dia acreditarmos na justiça, primeiro porque as pessoas vêm dizer que na justiça em São Tomé e Príncipe, as pessoas não estão lá por serem competentes, não estão lá porque estudaram Direito, mas estão lá porque têm confiança política de quem está no poder para o poder resolver os problemas eventuais e nada preocupados em fazer funcionar o Estado de Direito em São Tomé e Príncipe", comentou o analista Liberato Moniz.

Moniz lamentou o silêncio dos sindicatos do Ministério Público e dos tribunais perante a polémica em volta da aprovação da lei que impôs a cessação de funções de juízes com mais de 62 anos.

"Nós estamos a alimentar um ódio e os próprios juízes estão a participar [...] e daqui a quatro  anos, se mudar o poder, vamos ter o mesmo problema, vamos ter a indemnização de todos os juízes que saíram?", questionou.

O jurista Carlos Semedo também é contra a aprovação da lei pela Assembleia e a promulgação pelo Presidente da República sem respeitar o prazo de oito dias, por considerar que a lei vai além de questões interpretativas.

"O conteúdo desta lei vem tocar, vem restringir, vem fazer cessar direitos consagrados em lei orgÂnicas, isto é, essa lei vem mexer em artigos de leis orgânicas. Portanto, ela, ao tocar na lei orgânica está sujeita às mesmas regras de controlo e de fiscalização, por isso é que defendi que essa lei nunca poderia ter o efeito que teve nem ser aprovada como foi", comentou Carlos Semedo.

Os analistas consideram que as circunstâncias da aprovação e promulgação desta lei apontam para casos de vingança contra os juízes do TC que participaram no adiamento da proclamação dos resultados da primeira volta das eleições presidenciais de 2021, ganhas pelo atual Presidente da República, Carlos Vila Nova, e pela multa imposta aos 19 candidatos, incluindo o chefe de Estado, pela não apresentação das contas de campanha.

Apontam ainda outros casos, nomeadamente, a penhora de bens de Domingos 'Nino' Monteiro, dirigente do MCI-PS no âmbito do processo Rosema, cuja posse da cervejeira foi retirada e atribuída ao empresário angolano Mello Xavier, e a expulsão de juízes do TC que em 2019 tentaram retirar a empresa de Mello Xavier para atrbuir aos irmãos Domingos e António Monteiro.

"Essa lei para mim é uma lei de vingança, e se o Presidente da República não quisesse ficar vinculado a essa vingança ele tinha obrigatoriamente que parar a lei, mandar analisá-la, dormir sobre ela e não promulgar no dia seguinte [...] eu acho que pela proximidade do Presidente da República aos irmãos Monteiros, por tudo quanto aconteceu, isso é grave", considerou Liberato Moniz.

Ana Maria Costa considera que "tudo está muito confuso porque é um jogo de interesses" e afirma-se "muito triste, muito desiludida, de alguma maneira preocupada".

"Fico com a sensação que de governo a governo, toda a gente vem para resolver os seus problemas pessoais e para saldar dívidas e ajustes de contas [...] os nossos governantes rasgaram o livro da ética e da deontologia, porque senão o Presidente da República não teria promulgado essa lei tão rápido", considerou Ana Maria Costa.

Em declarações à Lusa, Domingos Monteiro, do 'movimento de Caué' e um dos antigos proprietários da Rosema - a maior fábrica em São Tomé -, afastou qualquer ligação desta iniciativa parlamentar ao caso da cervejeira, cuja propriedade foi atribuída pela justiça ao empresário angolano Mello Xavier.

"Não tem como pano de fundo a Rosema, que é uma questão da justiça e tem de ser entregue à justiça. Somos contra a auto-jubilação. Aqueles juízes que têm idade e estão jubilados, devem ir para casa e dar lugar aos mais novos", disse Domingos 'Nino' Monteiro, denunciando que alguns juízes determinaram a sua auto-jubilação, após "pouco mais de três anos de serviço", usufruindo de muitas regalias, "num país que é pobre".

Um grupo de deputados do MLSTP/PSD e do Movimento Basta, em São Tomé, pediu a fiscalização preventiva da constitucionalidade da lei e criticou ainda o que considerou de "promulgação apressada" do diploma pelo Presidente Vila Nova, apesar das críticas da oposição durante a sessão plenária.

 Lusa

 

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