Ex-presidente do parlamento são-tomense pede suspensão como deputado para ser ouvido pela justiça

user 07-Mar-2023 Nacional

O ex-presidente da Assembleia Nacional (AN) de São Tomé e Príncipe Delfim Neves "entendeu pedir a suspensão do seu mandato" de deputado por "30 dias" e "colocar-se à inteira disposição da justiça", anunciou hoje um dos seus advogados.

"O cidadão Delfim Neves, na qualidade de deputado, como exímio colaborador da justiça, entendeu pedir a suspensão do seu mandato à Assembleia Nacional por um período de 30 dias", declarou hoje Pedro Sequeira de Carvalho, um dos três advogados do ex-presidente da AN (2018-2022), em declarações aos jornalistas junto às instalações do Ministério Público (MP) na capital são-tomense.

O agora deputado do movimento Basta informou o MP, através dos seus advogados, que se coloca "à inteira disposição da justiça, para ser ouvido enquanto testemunha de acordo com as exigências legais", afirmou ainda o causídico, esclarecendo estar em causa "o processo n.º 768/2022, ou seja o caso dos homicídios que ocorreram no quartel" das Forças Armadas, no passado dia 25 de novembro.

Não obstante a disponibilidade manifestada pelo seu constituinte, Sequeira de Carvalho considerou "ilegal" o pedido do MP para ouvir Delfim Neves na qualidade de testemunha, conhecido na semana passada, sublinhando que o procedimento é inédito na "história da democracia e da independência" do país.

"Este pedido é ilegal. Na história da nossa democracia e da nossa independência nunca vimos uma coisa destas. O MP (...) fez um requerimento à Assembleia Nacional sem fazer a referência a um artigo de qualquer lei que seja. (...) Não se pode fazer um pedido relativamente a qualquer assunto sem que [o mesmo] se refira a uma lei e a um artigo específico", afirmou o advogado.

"Podemos dizer que não foi despropositado, [o MP] não referiu nenhum artigo simplesmente porque não existe na nossa lei nenhum artigo que pudesse fundamentar e justificar este pedido (...) de levantamento de imunidade de um deputado para ser ouvido enquanto testemunha", esclareceu.

A estratégia de Delfim Neves tem como "objetivo" impedir que o plenário da AN vote o levantamento da imunidade parlamentar do deputado do Basta, depois de um parecer contrário ao interesse do MP votado pela Comissão Parlamentar Permanente, admitiu o causídico. A forma regulamentar de contornar a decisão da comissão parlamentar é levá-la à votação do plenário, onde o movimento, com dois deputados eleitos (em 55) não terá como sustentá-la.

"Até onde sabemos, a Comissão [Parlamentar] Permanente produziu um parecer, e, pelo conhecimento que temos, (...) vai contra o pedido do MP, ou seja, permite que o deputado Delfim Neves seja ouvido na qualidade de testemunha, mas não permitirá nunca o levantamento da imunidade, porque não cumpre os requisitos legais", disse o advogado.

Instado a comentar se entendia que a suspensão da imunidade parlamentar agora decidida anularia a necessidade do plenário da AN se pronunciar sobre a mesma, Sequeira de Carvalho admitiu que esse é o "entendimento" da defesa.

"É o nosso entendimento. Aliás, o nosso objetivo é justamente esse. É que cada realização do plenário envolve somas avultadas de dinheiro para se poder [fazer votar] todos os deputados, inclusive os da diáspora. Com este expediente [suspensão da imunidade parlamentar], justamente, tendo em conta a situação precária do país, e do Estado em si, gostaríamos de evitar toda essa despesa. Por causa disso, o deputado Delfim Neves decidiu facilitar as coisas ao predispor-se a pedir a suspensão do seu mandato", explicou o advogado.

Caso a estratégia de Delfim Neves resulte, por outro lado, a não-votação do pedido do MP pelo plenário parlamentar garante-lhe ainda manter-se no "uso pleno de todos os seus direitos civis e políticos", que é a situação em que se encontra, como fez questão de sublinhar a defesa do ex-presidente da AN.

"O deputado Delfim Neves, neste momento, está em pleno uso de todos os seus direitos civis e políticos, ou seja, num outro processo houve um arquivamento e por causa disso há comentários que podemos dizer difamatórios, dizendo que ele não poderia viajar, que está a fugir da justiça, mas é mentira", afirmou o advogado.

Não obstante, e caso o pedido do MP suba mesmo à votação do plenário da AN, previsto para o próximo dia 8, o advogado de Delfim Neves deixou um apelo: "Esperemos que o bom senso tome conta dos nossos deputados e que votem de acordo com a orientação do parecer", afirmou.

O advogado de Delfim Neves considerou ainda "evidente" a questão de um jornalista, que lhe perguntou se o ex-presidente do parlamento são-tomense está a ser alvo de "um ataque direto".

"Isto é evidente, está patente", afirmou Sequeira de Carvalho. "E neste momento, nós cidadãos são-tomenses de bom senso e que amamos a nossa pátria devemos começar a pensar: `depois desse processo, o que será?` Porque depois deste processo temos que continuar a viver juntos como parentes, temos que continuar a viver juntos como famílias, temos que continuar a viver juntos como irmãos, temos que continuar a viver juntos como amigos e, sobretudo como são-tomenses", disse.

"Neste processo está-se a beliscar, e de que maneira, as relações de todos os géneros e, para piorar, está-se a descredibilizar muito as nossas instituições", acrescentou. "É o momento de começarmos a refletir, porque temos um país de que devemos cuidar", disse.

O advogado de Delfim Neves escusou-se a fazer "futurismo" sobre a atitude que o seu constituinte poderá vir a adotar, caso a sua situação jurídica "evolua" de testemunha para arguido, mas declarou "acreditar" que o político se manterá disponível para colaborar com a justiça, sem se "refugiar na imunidade parlamentar", na expressão de um jornalista.

"Com o direito não fazemos futurismo, todavia, pelo histórico do deputado Delfim Neves, sempre colaborou com a justiça. Se o fez no passado, está disponível para o fazer no presente e acreditamos que no futuro estará também", disse o advogado.

Quanto ao facto de o político não se encontrar no país, não obstante a disponibilidade para "colaborar com a justiça", Pedro Sequeira de Carvalho confirmou que "Delfim Neves, neste momento, está ausente do país, pediu a suspensão por um período de 30 dias, mas isto não impede a realização de nenhuma diligência enquanto testemunha".

"Aliás, a própria lei prevê que as testemunhas possam ser ouvidas de diversas formas, inclusive, por videoconferência", acrescentou.

"O estatuto de testemunha é um estatuto especial e, mesmo estando ausente, não há nenhum impedimento e, mesmo se for através dos advogados, avisados com antecedência, ele está disponível para voltar para o país e ser ouvido atempadamente", garantiu finalmente o advogado.

Na noite de 24 para 25 de novembro, quatro homens atacaram o Quartel do Morro, na capital são-tomense, numa ação que a justiça disse ser a primeira etapa de um plano que visava a "subversão da ordem constitucional". Três dos quatro atacantes detidos pelos militares morreram horas depois no quartel, após maus-tratos.

Após ter sido detido pelos militares na sua casa, na madrugada de 25 de novembro, Delfim Neves foi detido, e depois libertado, quatro dias depois, após audição em tribunal.

O MP são-tomense deduziu acusação sobre o ataque no passado dia 23 de fevereiro, acusando 10 arguidos - nove militares e um civil - pela prática, em coautoria e concurso efetivo, de um crime de alteração violenta do Estado de Direito, sete crimes de homicídio qualificado na forma tentada, um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, um crime de sequestro agravado e um crime de detenção de arma proibida, no caso do ataque ao quartel-general.

Em relação a Delfim Neves, que teria alegadamente sido identificado como financiador do ataque, o processo foi arquivado.

Com Lusa

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