Vistos CPLP: "não há informação disponível e é tudo uma incerteza"

user 25-Jan-2024 Internacional

Depois de termos abordado o movimento de emigração importante a partir de São Tomé e Príncipe rumo a Portugal desde o ano passado, com a facilitação de atribuição de vistos CPLP que começou a ser aplicada em Março de 2023, neste novo capítulo, abordamos as dificuldades com que se deparam alguns migrantes em Portugal ao tentarem regularizar a sua situação.

Antes da adopção na cimeira de Luanda de 2021 do dispositivo que facilita a entrada de cidadãos da CPLP em Portugal e lhes atribui automaticamente uma autorização de residência de um ano, sem contudo lhes abrir as portas da Europa, existiam já outros vistos no espaço lusófono, como vistos por motivos de saúde, vistos de estudante e vistos para procura de emprego.

Muito embora num primeiro tempo, o visto CPLP tenha aparentemente simplificado as modalidades de entrada em Portugal e tenha sobretudo aliviado a pressão sobre o SEF, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que desde Outubro é substituído pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), a falta de visibilidade nesse dispositivo faz com que as ONGs que ajudam os estrangeiros não saibam como orientá-los, diz Peter Mendes, coordenador do 'Girassol Solidário', uma associação de apoio socio-legal aos migrantes que se deslocam de Cabo Verde rumo a Portugal por motivos de saúde.

RFI: Qual tem sido o impacto da aplicação do novo dispositivo de mobilidade da CPLP em termos de imigração em Portugal?

Peter Mendes: Nos últimos meses, têm entrado em Portugal muitos imigrantes com os vistos da CPLP inicialmente, mas depois acho que neste momento -falo de Cabo Verde- tem-se verificado um fluxo muito grande de pedidos de agendamento que há já alguns meses que é difícil conseguir uma vaga para solicitar o visto em Cabo Verde. Com isso, o que se tem registado é que há pessoas que pedem -imaginemos- 500 euros ou 1.000 euros para conseguir uma vaga para solicitar um visto para Portugal. Relativamente à autorização de residência da CPLP, eu acho que quem teve essa ideia, isso não coincidiu na prática com aquilo que estavam a pensar, porque inicialmente, estas autorizações da CPLP em Portugal, o cidadão podia ir para outros países da Europa, até há pessoas que foram, mas neste momento não é possível. Depois, é uma documentação que foi atribuída de uma forma muito fácil e tudo o que é fácil pode ser perigoso. Não sei qual é o critério porque também não há documentação legal disponível para quem trabalha com imigrantes poder perceber, porque isto é tudo omisso. Depois de caducar o tempo que é um ano, como é que é possível renovar? As pessoas terão título de residência que sempre deram? Ou seja, é tudo uma incerteza e já houve pessoas que têm essa autorização que já foram para instituições, nomeadamente bancos ou centros de saúde e não é reconhecido este documento. Neste momento também há muitas pessoas que tentaram submeter este pedido (de visto) e o pedido fica em análise e não há resposta, não se consegue falar com a entidade responsável -antes era o SEF, agora é o AIMA- e não é possível pedir, não é possível ter nenhum tipo de informação porque, também, no meu entender, isto foi feito quase para aliviar a carga de pedidos que o então SEF tinha na altura. Foi se calhar uma situação excepcional, mas isso é provavelmente estar a criar outro problema. Resolve-se porque alivia, porque muitas pessoas que tinham submetido uma 'manifestação de interesse', que querem título de residência por motivos de saúde, ao pedir essa autorização da CPLP, automaticamente elimina a 'manifestação de interesse'. Foi uma do SEF aliviar os milhares de processos que tinham pendentes. Só que isto não vai resolver nenhum problema porque não há informação disponível e é tudo uma incerteza.

RFI: A sua associação ajuda precisamente os migrantes que chegam a Portugal a lidar com tudo quanto é documentação e apoio legal. Que situações é que tiveram que gerir ultimamente à conta desse visto?

Peter Mendes: Há vários tipos de vistos. Nós apoiamos cidadãos que vão a Portugal para tratamento médico ao abrigo do protocolo de saúde. Também vão com um visto da CPLP, mas para tratamento médico. O visto é validado um ano e a estadia permitida são seis meses. Se a pessoa tiver que ficar em Portugal, terá que prorrogar o visto por mais seis meses. Só que neste momento, há já alguns meses, a grande dificuldade que há é porque não há vagas para fazer a prorrogação dos vistos. Se um cidadão procurar a instituição para pedir informação ou pedir apoio, para solicitar esta autorização de residência da CPLP, nós aconselhamos as pessoas a não solicitar este documento porque nós, enquanto instituição, nós não temos informação suficiente que permita informar de forma segura o cidadão.

RFI: Para além destes constrangimentos, o que a Comissão da União Europeia parece recear é que a partir do momento em que as pessoas chegam a Portugal ao abrigo do visto CPLP, possam pretender ir para os restantes países da zona Schengen numa altura em que, de qualquer das formas, isto é ilegal.

Peter Mendes: A principal razão de uma pessoa emigrar é melhorar a sua condição financeira. Como sabemos, Portugal hoje a nível de salário é dos mais baixos da União Europeia e o custo de vida está muito elevado. Um dos grandes problemas que Portugal vai ter de enfrentar, e que é um desafio para quem vier a governar o país, é a questão do alojamento. O salário mínimo é de 1.000 euros. Se calhar é difícil ganhar acima dos 1.000 euros e uma pessoa, quando chega a Portugal, preferir ir para outros países da Europa onde sabe que se calhar vai ter um salário diferente, mesmo estando em situação irregular. Arriscam, isto é óbvio. Isto tem acontecido e muitas pessoas já perceberam que Portugal é uma porta de entrada para outros países da Europa. Por causa disso é que o SEF chegou ao ponto de não ter capacidade de responder a tantos pedidos que há. Acho que devia haver outro tipo de rigor para resolver o tipo de problema que há hoje em Portugal relativamente ao número de imigrantes, a tendência migratória que agora já inverteu, agora não é só da CPLP, mas também são cidadãos -em números representativos- de outros países, e depois todo o mundo fica prejudicado. E depois o que acontece é que se começa a criar aqui uma espécie de mercado negro porque a pessoa, quando chega ao país, para poder regularizar a sua situação é capaz de pagar o valor que for. Nós temos conhecimento de que há muitas pessoas e organizações que cobram aos imigrantes para fazer o agendamento para ajudar a pedir o número de contribuinte etc... Acho que não há controlo neste momento. Controlo no sentido de que há milhares de pessoas que precisam de regularizar a situação, aguardam pela abertura de vagas e não há vagas mas todos os dias há pessoas a entrar. Depois, chega-se a um ponto em que é difícil, já não se sabe por onde começar. Portugal devia repensar e devia rever isso junto das organizações que trabalham directamente com imigrantes para resolver o problema que existe a nível nacional porque depois vai reflectir-se em todas as áreas. é aceitarem salários baixos, é empresas a ganharem com estas pessoas, é tráfico humano, é exploração laboral, é tudo. Quando as coisas são feitas sem rigor, tudo pode acontecer e quem paga são os imigrantes. Se uma pessoa chega e tem dificuldade em regularizar a situação, poderá ser chantageada porque está com a situação irregular. Entra com o visto, depois a estadia caduca, depois não conseguiu agendamento para dar entrada a um pedido de residência, ou seja, isto é mau. É mau para o imigrante e é mau para toda a gente. Tem acontecido isto, chegou-se a um ponto insustentável. Eu nem sei se agora a nova instituição (AIMA) terá capacidade, e creio que está a trabalhar neste sentido, para normalizar a situação. Mas isso chegou a um ponto insustentável e não sei até que ponto é possível resolver. Todos os dias entram imigrantes em Portugal e a tendência migratória para Portugal tem-se alterado. Se calhar o número mais significativo não são cidadãos vindos dos PALOP, mas sim de outras nacionalidades.

Por:Liliana Henriques/Rfi

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